FRANKINH@ - UMA HISTÓRIA EM PEDACINHOS
Izabel Cristina da Silveira, Porto Alegre (RS), 23/08/2023
Espetáculo transita pelo universo Infantojuvenil para falar sobre diversidade
Em cena Liane Venturella e Thiago Ruffoni Fotos: Vilmar Carvalho

 

Estética proposta potencializa a dramaturgia

 

Esse texto faz parte do Projeto Arquipélago de fomento à crítica, com apoio da Corpo Rastreado

 

Muitas vezes, as pessoas têm medo.

Medo do desconhecido, do diferente, do que não atende aos padrões inventados e criados por uma sociedade que se coloca como detentora de normatizações.

E o medo pode se tornar um forte propulsor de tensões, violências, defesas.

O clássico Frankenstein, da escritora britânica Mary Shelley, escrito em 1816 e lançado em início de 1818, suscita discussões filosóficas e existenciais diante de questões sobe pertencimento, egocentrismo, relações afetivas e sociais, entre outras. Provoca a refletirmos sobre “quem somos no Mundo” e quais nossos possíveis caminhos. 

Em um movimento que soa, quase, paradoxal tendo em vista que a história narra a criação, pelo Dr. Victor Frankenstein, de uma criatura a partir de pedaços de cadáveres, com o auxílio de uma descarga elétrica para o sopro de vida – considerado por muitos estudiosos o primeiro livro de ficção científica da História que estabeleceu as bases dos sci-fis de terror – em contraponto aos conceitos de supremacia divina e religiosa na criação do ser.

A obra já se tornou material de pesquisa e referência para inúmeras adaptações e releituras, seja na própria literatura, como no cinema, teatro e artes visuais. Quando o Projeto GOMPA traz à cena Frankinh@ - uma história em pedacinhos, transita pelo universo Infantojuvenil, já trabalhado pelo cinema e HQs, para falar sobre diversidade, preconceitos, solidão, amor e amizade. A peça, vencedora do Prêmio SESC de Artes Cênicas, estreou em dezembro de 2022 e voltou em cartaz dentro do 2º Festival de Teatro para Crianças em Porto Alegre em março deste ano. 

Um espetáculo teatral que aporta a força da sua linguagem estética e dramatúrgica na narração, gênero próprio do “contar histórias”. Uma voz que apresenta as personagens, encadeia os fatos e eventos apresentados, transitando pelo passado e presente, o antes e depois, o aqui e agora da Cena. Uma correlação de acontecimentos, no tempo e espaço, que desenha a história aos olhos do espectador, em combinação com a atuação, dança, música e efeitos de ilusionismo – construídos através da iluminação, adereços cenográficos e manipulação de objetos – performados pelos atores em cena. Recurso esse, da narração, já explorado, antes, em outras montagens com direção de Camila Bauer, como o infantil Chapeuzinho Vermelho e Instinto, espetáculo adulto estreado neste ano de 2023.   

Liane Venturella compõe com sua voz e presença cênica o texto narrativo, adaptado da história de Shelley, para dar vida às personagens do menino que se sentia muito sozinho, que decidiu que queria ser um grande cientista e que, quase sem querer, fez uma criatura para ser sua amiga. A história de um menino tímido e sozinho interpretado por Thiago Ruffoni e de uma criatura, criada por ele, com atuação de Fabiane Severo, junto a uma equipe com nomes conhecidos nas artes da cena gaúcha e nacional, como Carlota Albuquerque, Simone Rasslan, Álvaro Rosa Costa, Elcio Rossini, Ricardo Vivan, entre outros que compõem a ficha técnica desse trabalho.

 Um trabalho teatral que cria e desenha tramas muito bem amarradas entre dramaturgia, visualidades, sonoridades e iluminação para sua concepção cênica, levando o espectador a cenas bastante simbólicas como quando a “Criatura” sai pelas ruas, descobrindo um mundo até então escondido para ela, e se depara com carros, movimento, barulhos, pessoas e diferentes situações. Como, também, o momento em que a Criatura está sendo “montada”, onde a destreza e técnica usada pelos atores, na manipulação das cabeças, gera um jogo de ilusão de óptica. As cenas encadeiam-se em uma construção com ritmo e nuances, que o imagético se mostra tão presente e forte quanto o próprio texto, quando não mais. 

Instigante, com escolhas estéticas que dialogam com a criança e adolescente, de forma atual e moderna, sem perder a ludicidade e encantamento provocados ao se ouvir e contar uma história, Frankinh@ - uma história em pedacinhos é um trabalho de composição de linguagens que perpassa o corpo e suas dramaturgias, as visualidades e suas “ilusões”. Um mover-se e movimentar-se para propor a reflexão, a diferentes idades, de temas latentes desde Mary Shelley aos dias atuais, com perspicácia, tendo em vista suas devidas proporções e camadas.