Gênero e sexualidade, uma construção
Nos últimos anos, há um movimento de produção ou talvez de maior visibilidade das temáticas de gênero e sexualidade nas práticas artísticas. Trabalhos como o longa documentário Dzi Croquettes e as peças Luis Antonio-Gabriela, Avental todo sujo de ovo e BR-Trans vêm contribuindo efetivamente para essa reflexão. Em um momento em que um Congresso conservador está no poder e que se aprova o Estatuto da Família formada a partir da união de homem e mulher, discutir o papel da arte na reflexão dessas questões é urgente. O seminário “Práticas Políticas da Cena Contemporânea”, que acontece dentro da programação da 11ª edição do Palco Giratório RS/POA, propôs um debate sobre esse tema. Dia 9 de maio, Felipe Matzembacher (RS), Silvero Pereira (CE) e Guacira Lopes Louro (RS) fizeram parte de uma mesa de discussão sobre o tema, que ocorreu no Teatro de Arena de Porto Alegre, acompanhada por cerca de 100 pessoas.
Pesquisadora da área de educação e referência no tema, Guacira Louro abriu a mesa contextualizando quando a questão de gênero aparece de forma mais efetiva na sociedade. Ela conta que, no final dos anos 1960, assuntos de cunho privado começaram a ser discutidos publicamente, abalando a certeza de que a sexualidade e o gênero são determinados pela natureza. “Gênero não é uma coisa que se nasce, mas que se constrói ao longo da vida”, segundo ela. Isto é, enquanto construção social, ela provoca um desassossego na lógica binária de entender sexualidade e gênero. Para a pesquisadora, na medida em que se evita uma polaridade rígida, cria-se a possibilidade de transitar nesses terrenos, ultrapassando fronteiras ou/e permanecendo nelas.
Guacira apontou que o desafio é promover a desconstrução da heteronormatividade, mas sem necessariamente construir a homonormatividade. Podemos entender que a identidade do sujeito é complexa e não pode ser rotulada dentro de regras. No entanto, para ela, é importante que as minorias sexuais e de gêneros se apropriem de denominações e façam “alianças provisórias” para lutarem por direitos, percebendo que essas amarrações não podem ser fixas.
Falando do lugar da cena artística, Silvero Pereira, ator/performer da peça BR Trans, do coletivo As Travestidas, que estará em cartaz no Palco Giratório dias 11 e 12 de maio, aponta a arte como uma ferramenta de extrema importância para combater a discriminação e a violência no Brasil, país que ocupa o primeiro lugar no mundo em assassinatos de travestis e transexuais.
Silvero lembra que, cada vez mais, a produção de arte com esse viés tem se ampliado porque a sociedade necessita falar sobre isso. A questão fundamental seria: “que corpos temos hoje e onde eu me identifico”. A arte vem para contribuir com essa discussão. Ele declara que ainda enfrenta preconceito de setores da própria classe artística. Segundo estes segmentos, o ator que faz travesti no teatro não consegue se assumir travesti na vida real, ou seja, estaria usando a arte para enganar a si mesmo.
Já Matzembacher, que dirigiu com Marcio Reolon Beira-mar (2015), longa que recebeu boa acolhida na programação “alternativa” do Festival de Berlim, aponta que o desafio da arte é desestabilizar a norma. As obras mais interessantes, segundo ele, não são aquelas que respondem perguntas, mas, sim, aquelas que fazem perguntas, que provocam. Matzembacher relatou sua experiência em um seminário com realizadores, do cinema queer que tentaram visualizar qual seria o futuro desse tipo de cinema. Entre as questões levantadas estava o tensionamento entre representação e representatividade, propondo deslocamentos como, por exemplo, escalar uma travesti para o papel de um cisgênero (pessoas cujo gênero é o mesmo que aquele designado a elas no nascimento). No entanto, o realizador destaca que o principal sujeito neste processo é o público. Para quem estamos falando? Não podemos apenas falar para nossos pares.
Entre outras questões que permearam a discussão que abriu o seminário, coordenado pela diretora e pesquisadora Patricia Fagundes, estavam: Como as travestis, transexuais e transformistas conseguem ter maior visibilidade, sendo que as políticas públicas avançam a passos lentos? Como marginalizamos essas pessoas e depois as julgamos? Como a arte responde a tudo isso? Como trabalhar para que a arte trans seja de fato representativa?
As questões são muitas, mas ainda podem ser pensadas ao longo do festival Palco Giratório a partir de espetáculos que estão na programação e que tratam desse assunto, como B’day [ureday!?] (Luiz Manoel, diretor da montagem, realizou uma intervenção durante o debate), Adaptação, BR-Trans, Até o fim, Castanha Remix e Bailinho da Laurita.
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Porto Alegre Teatro de ArenaBorges de Medeiros, 835
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De 9 a 20 de maio - segundas a quartas e sexta-feirashorário: Das 14h às 17h
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Gratuito