Para combater a ignorância, é preciso conhecimento

“Elas só precisavam de leitura, imaginação e um pouco de magia e tudo daria certo”.

A frase do texto JUNHO: Uma Aventura Imaginária, do escritor, dramaturgo, ator e diretor de teatro Thiago Silva, soa como um alento em tempos tomados por tecnologias, imediatismos e ansiedades. Em um universo de redes sociais, onde a leitura tem, cada vez mais, se limitado a posts, vídeos e textos simplificados de mídias e plataformas digitais, o texto de Silva busca, no contrafluxo dos “modismos” contemporâneos, se infiltrar por entre frestas no campo da imaginação. Um resgate provocativo à leitura, ao Livro e ao que nos faz sonhar e acreditar.

Junho é o nome da personagem central dessa história misteriosa e cheia de aventuras sobre a Família Frank, formada por tio Cosme (Roger Santos), Judith (Alessandra Bier), mãe de Junho, e Tia Morgana (Pâmela Bratz). Junho Frank, interpretado pelo ator Jardel Rocha, é um menino curioso e inteligente que encontra nos livros e palavras o caminho para conhecer o mundo, lugares e pessoas, enquanto sua mãe não permite que saia do velho castelo da família e tenha contato com outras crianças por medo da “maldição dos Frank”, fio condutor da narrativa, que, aos poucos, vai sendo descoberta e revelada pelo jovem Junho. 

Junto ao Coletivo Nômade de Teatro e Pesquisa Cênica, criado em 2016 por artistas e profissionais da cena teatral, acadêmicos do Departamento de Arte Dramática da  Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o diretor Thiago Silva estreou, em 2018, o espetáculo teatral Infantojuvenil, com título homônimo ao seu livro publicado em 2021, tendo sido apresentado em diferentes localidades e Festivais de Teatro do RS e outros estados. JUNHO: Uma Aventura Imaginária foi o vencedor de melhor espetáculo do Prêmio Tibicuera de Teatro Infantojuvenil de 2022, promovido pela Prefeitura de Porto Alegre através da sua Secretaria Municipal de Cultura (SMC). Além do prêmio principal, o espetáculo do Coletivo Nômade foi contemplado com os prêmios de Melhor Ator Coadjuvante e Melhor Cenografia para Roger Santos, Melhor Figurino para Jardel Rocha e Melhor Dramaturgia para Thiago Silva. Além das indicações como melhor atriz, melhor atriz coadjuvante, melhor ator e melhor ator coadjuvante, para as atrizes Alessandra Bier, Pamela Bratz e os atores Jardel Rocha e Damiel Brocker, respectivamente.

A relevância do espetáculo transcende suas premiações e encontra na concepção, dramaturgia, elementos cênicos-visuais e atuações, a precisão e ludicidade que encantam crianças e adultos. Com uma história imagética e cheia de aventuras, Junho transita entre o real e imaginário para pautar assuntos e reflexões importantes como questões identitárias, diversidade, discriminação, empatia, alteridade, protagonizadas por personagens que vão revelando curiosidades e tramas da estória a cada cena, com nuances e desenhos que não deixam o espetáculo cair na linearidade e despertam o interesse das crianças progressivamente.

É um espetáculo onde a diversidade é acolhida de forma afetuosa e questionadora, na busca pela identificação e reconhecimento da criança, trazendo para a cena o encantamento de se contar e ouvir histórias, com destaque para a importância e poder dos livros como potencializadores de novas experiências e vivências que precisam ser respeitadas. Um encontro entre o Teatro e a Literatura, que se complementam.

A construção das personagens é potencializada pela caracterização cênica que nos remete a uma estética steampunk (subgênero da ficção científica que apresenta tecnologia avançada, com produtos e desenhos inspirados na maquinaria e engrenagens a vapor da Era Vitoriana), unindo, de forma híbrida, tradicionais trajes de época, como cartolas, babados e mangas bufantes, com vestimentas mais modernas, em uma relação atemporal interessante entre a concepção e temática abordada no espetáculo.  

A cenografia minimalista e versátil, onde um biombo central nos conduz por caminhos e cômodos do antigo castelo da Família Frank ganha vida e formas a partir da iluminação cênica, precisa e lúdica, criada por Henrique Strieder, que consegue, através do desenho de criação e cores, ambientar espaços e definir tempos. A luz brilhante que ilumina o rosto de Junho, vinda de dentro do poderoso e misterioso livro sobre a Família Frank, é mítica, estética e simbólica.

O encadeamento narrativo, as cenas construídas entre pontos de reflexão, ludicidade e comicidade, o acionamento de diferentes camadas de compreensão, dependendo da idade e vivências de quem assiste, no encontro com a valorização do Livro, da Leitura e do conhecimento como fonte para combater a ignorância, fazem de JUNHO: Uma Aventura Imaginária um espetáculo a ser assistido, um livro a ser lido por crianças grandes e pequenas na busca por uma sociedade mais inclusiva, diversa e empática, onde a diferença caracteriza e une.