Somos todos culpados
Misture o formato dos reality shows contemporâneos ao cotidiano de um campo de confinamento e trabalhos forçados. No lugar de prisioneiros de guerra, voluntários participantes em busca do sucesso. Em vez de soldados nazistas, um batalhão de choque para manter a segurança. Saem os chefes de Estado e sua gana pelo poder para dar lugar às grandes empresas midiáticas e sua fome pela audiência. Essas são algumas referências que alimentam a criação da diretora Ana Paula Zanandréa em Concentração, espetáculo em cartaz em Porto Alegre.
A criadora parte do romance de Amélie Nothomb, Ácido Sulfúrico, para conceber conjuntamente com o grupo de atores a dramaturgia do espetáculo. Se a fonte de inspiração do trabalho narra, em linhas gerais, as atrocidades de um campo de concentração no qual duas mulheres vivem uma história de amor, a montagem teatral transporta este universo para dentro de um programa de TV, no qual os condenados cometeram o único crime de querer aparecer na televisão a qualquer custo.
A situação originalmente potente, porém, não encontra formulação à altura na elaboração da escrita dramatúrgica e da concepção da cena em Concentração. O espetáculo apóia suas referências estéticas no próprio universo que pretende criticar: estão lá as reproduções caricaturais dos personagens que fazem parte dos bastidores da televisão – o apresentador gay, o diretor canastrão e mau, a produtora babaca –, os estereótipos dos policiais nos moldes do Bope – aqui chamados de Kapos, mas que podiam ter saído de uma cena de ‘Tropa de Elite’ –, os prisioneiros candidatos à fama – representados como vítimas da manipulação e da ganância alheia.
Quando a paródia não alcança seu poder de ironia e destruição, mais que criticar seu objeto de reflexão, acaba reforçando os estereótipos que pretendia condenar. E é nessa opção que Concentração se sustenta. O problema reside não no que se quer dizer, mas na forma escolhida para a construção do discurso teatral.
A direção de Ana Paula Zanandréa opta por uma espécie de “sistema coringa” em que a utilização de elementos de cena e figurino é capaz de identificar a mudança de personagens, com os atores se revezando em diversos papéis “tipo”. Esta escolha traz consigo o risco de manter todas as atuações em um registro facilmente identificável, mas frágil em sua composição artística, quase sempre ressaltado por trejeitos e exageros que pretendem alcançar o cômico. As atuações ficam aquém da potência necessária para possuir uma acidez crítica. Em nenhum segundo a montagem consegue gerar um incômodo em quem assiste ao que deveria ser um circo dos horrores da humanidade.
Construída coletivamente durante o processo de criação, a dramaturgia tende a “carregar os rastros de sua fabricação” (Josette Féral). Isso se torna notável em alguns momentos do espetáculo, em que as cenas se elaboram como jogo e improviso na utilização de objetos, no espaço, na música, materiais que ainda carecem de elaboração por se assemelharem demais a exercícios de sala de ensaio, mas que guardam em si grande possibilidade de desenvolvimento. É quando se afasta do referencial televisivo (na forma e no conteúdo) para poder criticá-lo que a montagem alcança seus momentos mais potentes.
É inquestionável que o elenco, formado por Frederico Vittola, Miriã Possani, Pedro Nambuco, Priscilla Colombi e Sofia Vilasboas, demonstra total engajamento na construção da cena. Mas algumas soluções propostas no palco beiram o indefensável, como a tentativa de simular um rewind na cena do programa de TV ou o tango-bolero-dança-do-acasalamento para retratar a sedução entre vigilante e prisioneira.
“De quem é a culpa?”, nos questiona o tempo inteiro o espetáculo. A pergunta não serve apenas para refletir sobre a situação apresentada em cena, mas levanta questionamento sobre o próprio fazer teatral. Não há inocentes: erra quem repete os padrões que o espectador já conhece e erra o espectador, aquele que se mantém sentado, “assistindo passivo a esse espetáculo brutal”.
CONCENTRAÇÃO
Livremente inspirado na novela Ácido Sulfúrico, de Amélie Nothomb
Direção: Ana Paula Zanandréa
Elenco: Frederico Vittola, Miriã Possani, Pedro Nambuco, Priscilla Colombi, Sofia Vilasboas
Dramaturgia: O grupo
Figurinos: Rafael Körbes
Iluminação: Fabiana Santos
Trilha sonora: Jimi Melo
Pesquisa de trilha sonora: Priscilla Colombi
Cenografia: Yara Balboni
Pintura do cenário e adereços: Adalberto Almeida
Desenvolvimento de aplicativo: Ana Paula Zanandréa
Assessoria de imprensa: Liane Strapazzon
Conteúdo e divulgação redes sociais: Bruna Lauermann e Paula Hartz
Filmagem: Amanda Gatti e Pedro Mendes
Produção executiva: Joice Rossato
Arte Gráfica: Pingo Alabarse
Fotografia: Regina Protskof
Produção: AZPAS produções e Aresta Cultural
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Teatro de ArenaAv. Borges de Medeiros, 835 – POA/RS
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17/ 07 a 09/08/2015 - sexta, sábado e domingohorário: 20h
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R$ 30,00 - inteira - e R$ 15,00 - meia - (estudantes, idosos, classe artística e professores)