Axêro
Luis Fabiano Gonçalves

A obra de dança-teatro trata da força, da fé, da dor e da superação do preconceito racial no cotidiano na cidade de Pelotas, no sul do sul do Brasil. Como é ser negra/negro sob a ótica de uma/um negra/negro? Pelotas é conhecida como a Princesa do Sul, cidade do doce e da cultura erudita. Pouco se fala que sua opulência foi desenvolvida a partir da indústria do charque, cuja mão de obra escrava produziu uma elite aristocrática e rica. Axêro revê essa história e dá lugar aos personagens negros e à cultura milenar africana atualizada por seus corpos, trabalho e rituais.

Axêro é protagonizado por dois corpos negros, de uma mulher e de um homem, Gessi Könzgen e Jão Cruz, que instalam um ambiente de ritual e atualizam diferentes afetos diante do público. Estar em estado de axêro é suportar, amparado por algo que está ao lado.

O texto dramatúrgico é constituído de três dimensões narrativas que se tecem e se sobrepõe – o cotidiano, a memória e o sagrado. O cotidiano, apresenta situações atuais que produzem a sensação da opressão pelo racismo. A memória, remonta os anos do trabalho escravo nas charqueadas, traz a memória do corpo constituído nesse lugar e tempo de horror. O sagrado, reescreve narrativas da cosmologia afro-brasileira, evidencia a ancestralidade e o saber sobre a humanidade, a existência e o mundo. O entrelaçamento dessas três dimensões se dá pela colagem de textos de diferentes estilos: diálogo, poesia, texto informativo, canção, solilóquio, crônica. Não há uma narrativa linear, nem uma história que é narrada. A dramaturgia é construída como o roteiro de um ritual. Conforme nos afirma a dramaturga Gessi Könzgen, “um ritual de resistência, no qual a carne salgada, o boi, os corpos negros, o profano e o sagrado se fundem”.

Nas charqueadas, o sangue do corpo negro se misturava com o sangue da carne do gado. Em Axêro, a figura do boi percorre as cenas e se materializa no movimento dos bailarinos, condensa e articula três entes: o ser humano escravizado; o próprio boi criado para ser carneado; e a ancestralidade, representada por Iansã, orixá que também se atualiza na imagem do búfalo.

Ação, dança e canto conduzem o público para diferentes espaços e situações: curral, varais de charque, escritório, ruas da cidade, encruzilhada, pesadelo, quarto da princesa, arroio Pelotas, tempestade. Há espaço para a dor, mas também para o deboche, para a ternura e para a celebração.

Axêro é uma oração que negros e negras, sabendo ou não, recitam todos os dias ao colocar o pé na vida.

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