Bitch
Iara Tonidandel

BITCH é um solo criado por Alexandra Dias que parte da exploração da antropofagia no corpo. A partir dessa investigação de movimento, chega na BITCH que é uma entidade mulher-canina. O solo é dançado por Maria Falkembach, evidenciando uma das características deste trabalho, que é a possibilidade de transmissão e transformação. O solo de Alexandra atravessa o corpo de outra mulher, Maria, tornando a antropofagia devorada por uma, a ferramenta de outra. BITCH traz à cena um corpo que é aberto à incorporação do outro por meio da animação de todos os seus buracos como espaços de entrada e saída.

BITCH propõe a exploração de vias para a animação da antropofagia de forma encarnada, ou seja, métodos que vão tornar essa metáfora operante no corpo dançante. O corpo-antropofágico, tal como formulado, é esburacado, aberto à incorporação do outro através do avivamento de todos os seus buracos numa perspectiva que visa tirar da boca, e, portanto, da palavra, o lugar de protagonista do enunciado antropófago. Parte da premissa que cada buraco do corpo é uma boca. BITCH parte do procedimento de esburacar o corpo, o qual acena à chegada de um ser trans-específico que se localiza entre a pessoa e o animal. O solo BITCH, primeiramente dançado por sua autora, explora uma noção xamânica que permitiu transitar entre a mulher e a cadela. Estão entre suas referências, Jota Mombaça, Grada Kilomba e Denilson Baniwa, artistas interessados em atualizar idéias antropofágicas, criando derivações do conceito.

O trabalho faz uma manobra antropofágica que busca reposicionar a palavra “cadela” como um termo que visa atingir mulheres de forma depreciativa. Desse modo, propõe um encontro entre a antropofagia e a estratégia de inversão e transformação de práticas autoritárias proposta pela teoria queer.

O processo de transmissão do trabalho para o corpo de outra bailarina se relaciona com as ideias de exnovação (no lugar de inovação) e outroria (ao invés de autoria) propostas pela OUTRO Dances. A transmissão do trabalho evidencia o solo como formato aberto à alteridade, transferível e acessível, tal como a proposta antropofágica que conduz a criação de BITCH. Isso quer desafiar uma concepção de autoria (enclausurada, egóica ou individualista) comumente associada à criação-solo.

Bitch foi criada durante o doutoramento de Alexandra Dias, processo que que focou no esburacamento do corpo como meio de conexão com outros corpos, contextos e culturas. O corpo-antropofágico criado ali é antes de tudo desejante de conexão e compartilhamento, se conecta às cosmologias do Povo Indígena para se tornar máquina devoradora e transmissora.

Desta forma, a intérprete-criadora Maria Falkembach realiza um processo de devoração do trabalho de Alexandra Dias. O formato solo se torna coletivo. Nesse movimento, que transforma e atualiza o espetáculo, ela realiza ainda o devorar da performance de uma porta-bandeira, que porta uma bandeira do Brasil, objeto também reposicionado e ressignificado na performance. Hoje, carregar a bandeira nacional, e fazê-la passar por nossos buracos, é um modo de tornar essa bandeira parte do corpo. Bandeira essa que foi aviltada nos últimos anos, assim como nosso corpo de mulher, artista, professora. Neste ato, questionamos qual a bandeira que carregamos como mulheres na contemporaneidade.

Ainda, Maria agrega ao processo de transmissão/devoração da obra, o conceito de entre, parâmetro de investigação nos processos de obras cênicas de suas autoria. No caso de Bitch, o corpo produzido se coloca no entre o ser humano e o bicho: é o corpo entre a mulher e a cadela. Um corpo entre-lugar? Um corpo esburacado que permite ao público também se perceber nesse entre.

Link CRÍTICA Consuelo Vallandro publicada no AGORA:

http://www.agoracriticateatral.com.br/criticas/296/bitch

Link TEXTO de Cynthia Farina:

https://drive.google.com/file/d/1cUZ990rFafZfVO4YT_skRkP61dOB1Thl/view?usp=sharing

Clipping BITCH:

https://drive.google.com/file/d/1tgxa-LhDg0ap42kjbC0GdUK4Kc3ox0tY/view?usp=sharing