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A cia curitibana de palhaços Circo Rodado nasceu em 2014 de um encontro de três jovens apaixonados pelo circo, principalmente pelas técnicas de palhaçaria: Paulo Henrique Carneiro, o Palhaço Abel; Mateus Tropo, o Palhaço Tropo; e Bruno Mancuso, o palhaço Pelúcia. Desde então, veio desenvolvendo uma pesquisa em modalidades circenses, tendo como foco maior as gags, as reprises, as cascatas, a figura do escada e do palhaço no circo tradicional, usando a interseccionalidade com outras modalidades como a música e a acrobacia para compor seus espetáculos. No ano de 2019, nasceu um interesse em pesquisar algo mais antológico na mitologia circense: o circo de pulgas, muito popular na Europa do Século XVIII e XIX.
Na época, as estrelas minúsculas, capazes de saltar de trampolins e fazer acrobacias e peripécias eram apreciadas por grande público, e o segredo de seu “domador” eram guardados a sete chaves, para a manutenção da magia atribuída ao circo: o ilusionismo. Assim, por meio de traquitanas engenhosas e apresentadores de boa lábia, os espetáculos de pulgas encantavam multidões nas ruas. O desejo de atualizar e trazer esta prática para o século XXI fez com que Paulo Carneiro se debruçasse sobre uma pequena grande invenção: uma maleta picadeiro, onde as pulgas, mosquitos, aranhas e afins poderia dar seu show e encantar mesmo as crianças da era da Internet. Esta pesquisa ironicamente acabou ganhando um grande empurrão com a pausa e o retiro forçado da pandemia: em um momento de dor, medo e recolhimento forçado, Paulo decidiu mergulhar na rede e pesquisar vídeos tutoriais para evoluir sua engenhoca na esperança de poder levar o sorriso de volta às pessoas em um futuro que acreditava ser possível.
Este momento tão esperado chegou, e neste ano de 2022 o espetáculo Circo Zika pôde finalmente ser levado ao público trazendo toda essa bagagem de pesquisa conjugando a palhaçaria e a tecnologia para deixar as crianças – e os adultos – encantados. O circo portátil no Festival de teatro de Gravataí montou seu picadeiro em uma escola municipal – a EMEF Tancredo Neves – no quase campestre bairro Parque dos Anjos, à beira do Rio que deu nome à cidade, onde de fato mosquitos, pequenas aranhas e formigas compartilharam pacificamente (ou quase) espaço com a plateia em um gramado sob a sombra de uma árvore. O simpático e desajeitado dono do circo, chamado Abelardo Biloba, apresenta sua situação: dado o abandono por parte de sua pulga-estrela, ele inicia uma busca local por novos artistas a serem contratados, e termina encontrando bom candidato: um mosquito, o Chico Cunha, personagem que vai literalmente botar fogo no circo.
O espetáculo da Cia, dirigido por Ricardo Puccetti, merece destaque pela união da tecnologia do Teatro do Objeto – ou, mais especificamente aqui, da máquina – com a humanidade do palhaço circense, bem como pela mescla de piadas que levantaram muitas risadas infantis com deixas que geraram gargalhadas dos adultos, mais voltadas às questões políticas e econômicas do mundo atual. A única questão que prejudicou um pouco a apreciação foi o som das trilhas, que era muito baixo para um local ao ar livre com o vento da beira de um rio e a falta de um microfone para amplificar a voz do protagonista, mas, no geral, isso não atrapalhou a interação com o público, que só dispersou quando percebeu a ameaça de uma chuva que – graças aos deuses do circo – não aconteceu.
Não é muito comum essa junção de habilidades artísticas e mecatrônicas em nosso país, mas temos no Rio Grande do Sul uma referência no assunto: o grupo De Pernas pro Ar, de Canoas, que trabalha com invenções e um maquinário muitas vezes monumentais ou de tamanho equivalente ao humano. Nesse contexto, vale ressaltar que o Circo Rodado mergulha na mesma pesquisa para trabalhar justamente o universo contrário, do micro e do pequeno. Porém, o que mais chamou a atenção foi o fato de que, enquanto as escultóricas figuras saídas do atelier do grupo canoense trabalham no eixo da explicitação da maquinaria para que no contraste com a humanidade dos atores que com ela contracenam surja a potência de sua arte, a trupe do Paraná aposta justamente no contrário, e usa a tecnologia para remontar ao ilusionismo usados há séculos para encantar o público, e essa fórmula tradicional se mostra ainda funcionando e operando sobre nossos imaginários. O espetáculo mostra que a tecnologia não necessariamente se opõe à tradição, e que o casamento delas pode sim criar coisas boas, como o Zika, que não é o vírus, mas conseguiu pegar de jeito a plateia.
A equipe do AGORA Crítica Teatral foi convidada pelo Festival de Teatro de Gravataí. A produção crítica faz parte do eixo Conexões Reflexivas.
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Elenco: Paulo Carneiro
Direção: Ricardo Puccetti
Produção: Circo Rodado