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Dramaturga alemã de 36 anos discorre sobre o texto Bookpink (Tentilhão), que estreia no Brasil encenado independentemente pelos diretores gaúchos Liliane Pereira e Thiago Silva, dentro do projeto Transit 2021. As montagens estrearão totalmente online nos dias 12 e 13 de outubro durante o Festival Palco Giratório SESC-RS, sempre às 20h, no Canal do Sesc/RS no YouTube. O AGORA, por meio de Michele Rolim e Leandro Silva, estão acompanhando os resultados de criação dos dois espetáculos e postarão suas reflexões no site nos dias 13 e 14 de outubro. A autora participa de um debate dentro da programação no dia 14 de outubro, às 16h, com os diretores e com o AGORA. Caren Jeß estreou como dramaturga em 2017, quando sua peça “Deine Mutter oder Der Schrei der Möwe” (“Sua Mãe ou o Grito da Gaivota”) ganhou o terceiro lugar no Prêmio Osnabrück de dramaturgia. Em 2018, ganhou, com a peça “Bookpink”, a residência da “Münchner Förderpreis für deutschsprachige Dramatik” (Prêmio de incentivo para dramaturgia alemã de Munique). Com a estreia da produção de “Bookpink” em Graz, na Áustria, Caren foi indicada para o Prêmio Mülheim de dramaturgia em 2020 e declarada Jovem Dramaturga do Ano. Ela também ganhou o Else-Lasker-Schüler-Stückepreis por sua peça “Der Popper” e o prêmio do público TAZ do “26º microfone aberto” para “Die Ballade von Schloss Blutenburg”.
O AGORA enviou algumas perguntas via email para Caren. Confira abaixo as respostas:
AGORA - De onde vem a inspiração para suas peças? Como surgiu a ideia da peça “Tentilhão”?
Caren Jeß - Bookpink é baseado em um lapso linguístico. A palavra "Dreckspfau" (pavão encardido) foi mencionada acidentalmente por um amigo meu na mesa da cozinha. Eu adorei e soube imediatamente que o pavão encardido era um personagem de teatro. Assim, escrevi uma primeira peça curta que tinha o Dreckspfau no título. Os outros personagens de Bookpink então seguiram surgindo por si só.
AGORA - O seu texto “Tentilhão” nos chama a atenção pela estrutura fabular, com suas alegorias e os comportamentos antropomórficos dos animais. Em que medida você considera o texto uma fábula social contemporânea e podes citar exemplos dos tipos sociais que os animais metaforizam?
Caren Jeß - Eu não tinha em mente o conceito-gênero de fábula ao escrever Bookpink, embora ele seja, naturalmente, adequado. Entretanto, o conceito da fábula é descontruído na medida em que Bookpink não quer dar lições de moral ao seu público. Os personagens se representam por si só, embora certos estereótipos possam ser vistos em alguns deles. Já outros personagens contradizem bastante os clichês sociais. Por exemplo, a pomba branca, amante do barroco, reflete sobre culpa e vergonha e é uma habitante muito incomum no Camping. O pavão encardido também contradiz sua espécie por ser sujo, encardido. Ele é um pária que não quer aceitar o fato de que, como ex-condenado estigmatizado, talvez não haja nada que possa fazer quanto a isso. Porque, como ele nos conta, sua vida é "um maldito bestseller" e, portanto, digna de atenção.
AGORA - Temas diversos atravessam a peça “Tentilhão” e colocam em debate, por exemplo, questões de gênero e da estrutura patriarcal (opressão, maternidade, transgeneridade, papéis sociais, relações familiares, etc.). Como você enxerga essas questões?
Caren Jeß - Fuck patriarchy! (Foda-se o patriarcado!)
AGORA - Você considera “Tentilhão” uma distopia? Habitamos a “floresta escura”? Há esperança e saída na peça?
Caren Jeß - Eu gosto muito da pergunta. Anja Michaela Wohlfahrt, que estreou Bookpink em 2019, também me disse que achava a peça muito triste e melancólica. Em contraste, eu a escrevi com zelo humorístico e deleite no exagero. E talvez este seja o momento de esperança: enfrentar a distopia e ter sempre alguns sacos de tinta no bolso para jogar nela.
AGORA - Você foi indicada para o Prêmio Mülheim de dramaturgia em 2020 e declarada Jovem Dramaturga do Ano. Você pode apontar características que você considera preponderantes na cena de dramaturgia contemporânea alemã?
Caren Jeß - O teatro se tornou mais politizado. Eu vejo isto como uma das tendências mais marcantes. Isto vai ao encontro do fato de que o teatro está se tornando mais sensível às vozes marginalizadas das quais ele pode se beneficiar. Por um lado, a politização é um ganho para o teatro, por outro lado, pode prejudicá-lo: sob o disfarce do discurso político, muitas vezes são travadas lutas que servem mais para ganhar destaque e se perde de vista a solução de problemas reais.
AGORA -Você estudou filologia alemã e literatura alemã moderna. De que maneira essa formação aparece em suas peças?
Caren Jeß - Atualmente estou escrevendo uma peça cuja protagonista é uma acadêmica de humanidades. Fiz uma pesquisa intensiva para ela. Não menos importante, porém, para criticar as humanidades. Porque a visão intelectual de certos temas é muitas vezes paternalista. A questão de como podemos falar uns com os outros através das aulas está muito em minha mente. Discutir sobre grupos sociais desfavorecidos que não estão na plateia me incomoda.
AGORA - O projeto Transit do Instituto Goethe (Porto Alegre) propõe para este ano a montagem de versões virtuais para “Tentilhão”, por conta das profundas mudanças geradas pela pandemia da Covid-19. Como dramaturga, como você enxerga esses trânsitos entre teatro, internet e o futuro da arte na pós-pandemia?
Caren Jeß - Acredito que o teatro e com ele a dramaturgia sobreviverão. Entretanto, não em todos os casos. Se insistirmos em padrões antigos e lamentarmos tradições ultrapassadas, ameaçamos sua existência. A arte não é rígida. Está sempre em movimento. Assim, devemos estar alertas em nossas relações com ela e persegui-la para onde quer que ela se dirija com suas mil saias, suas entranhas grotescas e seus sapatos pontiagudos.
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