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A viagem que os editores do AGORA fizeram a Frankfurt (Alemanha) e a Avignon (França), no final de julho (confira em bit.ly/2woCSRz), reforçou a convicção de que a arte se constrói não apenas pelo que está em cena, à vista e à apreciação dos espectadores. As políticas implementadas pelo poder público, a valorização da cultura pelos setores produtivos e de capital, o histórico e o perfil social de cada comunidade, os espaços de ensaio e de apresentação e mesmo as iniciativas pessoais são decisivos para o estabelecimento de um contexto que acolha e estimule o fazer e o fruir da arte.
Embarcamos para Frankfurt, centro financeiro da União Europeia e cidade campeã em investimentos na cultura, deixando para trás o Brasil que luta para minimamente colocar em dia verbas devidas por editais, incapaz de propor políticas de médio e longo prazo para a cultura. As de curto prazo se resumem a saldar dívidas. Em Avignon, acompanhamos espetáculos da programação oficial e da programação OFF do festival tido como um dos maiores do mundo.
Mesmo reconhecendo o caráter de exceção das duas cidades, e que nossa experiência foi breve e superficial - a viagem toda durou oito dias -, conseguimos mapear a importância dos diferentes protagonistas no processo cultural: acompanhamos parte da programação do festival de Avignon, mas também conversamos com agentes da administração pública, dirigentes de centros culturais independentes e de um centro voltado ao teatro para jovens e crianças, além de jornalistas de imprensa escrita e online. Uma teia indispensável para que se dê a arte.
A seguir, um resumo dessas experiências:
Impresso e online lado a lado
No jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung, reunimo-nos com os editores da área de cultura Fridtjof Küchemann e Simon Strauss (na foto abaixo). Ambos relataram o esforço de atrair as novas gerações que não leem mais jornal. Para atingir o público que não vai ao teatro, Strauss tem produzido vídeos curtos que são postados no site do jornal (http://www.faz.net/aktuell/feuilleton), apresentando peças em cartaz. Segundo ele, depois da postagem, percebeu-se aumento de público nas montagens.
Küchemann observa que críticas online e impressas podem conviver em harmonia: a primeira, com o compromisso da rapidez e da objetividade; a segunda, com a possibilidade de contextualização. Além de valorizar uma formação multidisciplinar de quem pretende ser crítico de teatro, Küchemann destacou que nos últimos anos os críticos estão mais livres para não apenas esclarecer e orientar o público sobre os espetáculos em cartaz, mas também para construir discursos sobre montagens, artistas e encenadores - até Trump pode inspirar uma crítica.
Jovens e crianças merecem teatro inteiro
Henning Fangauf é o diretor do Centro Alemão de Teatro Infanto-juvenil (http://www.kjtz.de). Na sede da organização, há um pequeno palco, arquivos com textos dramáticos para teatro infantil e juvenil, uma biblioteca. Entre as atribuições do centro estão promover oficinas para tradutores, acompanhar festivais internacionais, estimular teatro musical e mapear tentativas que valeriam a pena "importar", como experiências de teatro em sala de aula na Holanda e de teatro para bebês na Noruega. O Centro também promove de dois em dois anos, em Berlim, o festival Augen Blick Mal! (Peraí!), com peças para jovens e crianças.
Fangauf diz que há 20, 30 anos o teatro infantil era estigmatizado: acreditava-se que as crianças só precisavam de entretenimento. Hoje, as crianças têm direito a um teatro inteiro. Segundo Fangauf, nos últimos anos também surgiu a demanda por uma crítica teatral para teatro infantil e para teatro juvenil. Se, no caso do teatro adulto, a crítica se volta mais para a estética do espetáculo, no caso infantil e juvenil a ênfase é na recepção.
Fábrica de transgressão política e estética
Até os anos 1960, era um fábrica de lixas. Então foi ocupada por artistas, depois tombada pelo patrimônio histórico, e hoje é o Theater Willy Praml NAXOSHALLE, uma fábrica de arte. No grande pavilhão convivem o Theater Willy Praml (voltado para o teatro político, com ênfase agora para a inserção dos refugiados políticos) e o Studio Naxos (que apoia experimentações em música, teatro, dança, artes digitais, performance, etc.).
Möllendorf Simon, um dos coordenadores do Naxos, explica que Willy Praml, pioneiro na ocupação da fábrica e hoje com 76 anos, incorpora emigrados em seu grupo: não quer só mostrar o drama dos refugiados, mas também que eles façam o teatro. Já o Naxos quer "correr perigo", experimentando e testando limites.
O espaço Theater Willy Praml NAXOSHALLE (http://www.theater-willypraml.de/) recebe verbas da prefeitura para garantir a manutenção de pessoal, de uma sala tradicional de 150 lugares e de um pavilhão com espaço livre de 50m x 20m.
Abrigo para uma legião estrangeira
Quase em frente ao Theater Willy Praml NAXOSHALLE, se localiza o Künstlerhaus Mousonturm, um prédio de sete andares erguido nos anos 1920, como parte de um complexo de edifícios da indústria de cosméticos Mouson. Em dezembro de 1988, o Künstlerhaus Mousonturm (http://www.mousonturm.de/web/en/) se converteu em abrigo para artistas independentes de dança, teatro, performance, música, cabaré, literatura e artes visuais. O espaço recebe em torno de 3,9 milhões de euros por ano da prefeitura de Frankfurt.
O Mousonturm (abaixo, foto de 2012 com crédito de Jörg Baumann) reserva apartamentos e salas de ensaio e de apresentação (inclusive espaço de performances) para criadores alemães e para uma legião estrangeira. Na programação de junho, julho e agosto de 2017, havia representantes de Argentina, Brasil, Líbano, Mali, Filipinas, Cabo Verde e Bélgica. O espaço é dirigido desde 2013 por Matthias Pees, que morou por oito anos em São Paulo. Em junho de 2016, o Mousonturm recebeu o Projeto Brasil, com atrações de teatro, dança, música, leituras, debates e eventos de artes visuais do país, incluindo os encenadores Christiane Jatahy e Marcio Abreu.
Fruir e criar é direito de cidadão
Durante o encontro com Katharina Scröck, chefe do departamento de artes cênicas e educação cultural de Frankfurt, havia uma pergunta que ela não entendia: qual o percentual definido para a cultura no orçamento do município? Não entendia porque não há. A cultura recebe o que precisam receber, como direito inalienável dos cidadãos: teatro e ópera, por exemplo, recebem 70 milhões de euros por ano; toda a cultura tem orçamento de 500 milhões de euros anuais. Em 2017, decidiu-se construir um teatro para jovens e crianças - e haverá verba específica e extraordinária para isso.
A prefeitura realiza dois editais por ano para artistas independentes. Em média 40 candidatos concorrem, e 2/3 são contemplados com verbas entre 50 mil euros e 1 mil euros (individual). O júri é composto por representantes do teatro universitário, teatro infantil, imprensa, performance e de cursos livre de teatro para adultos. A atividade é gratuita - os jurados recebem ingresso e não são da área do teatro em Frankfurt. Projetos a longo prazo demoram até um ano tramitando, porque são examinados pelo equivalente à Câmara de Vereadores de Frankfurt.
Verão francês aquece economia da cultura
Em Avignon, assumimos a condição essencialmente de espectadores. Mas é impossível não perceber particularidades de produção e da forma como a cultura é tratada como fonte de riqueza material e imaterial. Segundo o site oficial do evento (http://www.festival-avignon.com/en/), se previa que apenas as 41 atrações da programação oficial já gerariam um aporte entre 23 e 25 milhões de euros para a cidade. A escassez de táxis e de lugares nos incontáveis bares e cafés de Avignon evidenciavam uma era de ouro para comércio e serviços concentrada no mês de julho. O prestígio da cidade também se projeta bem além dos muros medievais que delimitam o centro: estima-se que Avignon receba mais de 500 jornalistas durante o festival, que produzem mais de 2 mil textos sobre o evento. O reconhecimento do papel da imprensa ficou claro com a presteza com que nos credenciamos e retiramos ingressos para a programação oficial e OFF.
O site do festival previa que seriam vendidos entre 110 mil e 120 mil ingressos para espetáculos pagos, com um público de quase 50 mil pessoas nas atividades gratuitas. Quase 15% dos espectadores do festival vêm de fora da França.
Leia também post de Michele Rolim sobre o circuito OFF de Avignon em link.bit.ly/2wiX7BC
A viagem do AGORA a Avignon e a Frankfurt foi viabilizada pela parceria do site com o Goethe-Institut Porto Alegre (GI) e a Aliança Francesa de Porto Alegre (AF), custeada parcialmente via projeto da AF financiado pela Lei Rouanet.
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