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Chego antes de taxi para estar no horário. Iremos conversar sobre a peça Concentração, dirigida por Ana Paula Zanandréa. O primeiro que encontro é Patrick. Apesar de ser somente o terceiro dia de trabalho, meu o cansaço é grande. Entro no elevador e desço no andar errado do edifício, o que expõe o quanto minha atenção está comprometida nessa manhã cinzenta e fria de Porto Alegre. Mesmo assim, sou o primeiro a me acomodar na sala. Por poucos minutos, pois os outros chegam praticamente juntos, e o silêncio é rompido por muitas vozes e conversas. Hoje teremos a ajuda de uma nova intérprete, Alessandra Gusatto.
Nem bem sentam ao redor da mesa e as conversas paralelas se voltam ao espetáculo da noite anterior. Havia muita expectativa sobre o texto, afinal recebera um prêmio de pesquisa teatral na cidade. Espero ansioso para ouvir como serão as análises, apesar de muitos comentários já terem sido soltos ontem mesmo, durante o jantar.
Jürgen Berger começa falando sobre como organizaremos o dia, as questões finais sobre o site Agora Crítica Teatral, faz uma irônica brincadeira sobre a “grandiosa” experiência da noite anterior, e me provoca, ao me ver sentado à parte para escrever sobre esse momento. Ele introduz o espetáculo apresentando-o como inspirado na novela Ácido Sulfúrico, de Amélie Nothomb. Renato Mendonça complementa: em conversa com o grupo de teatro, soube que a montagem é apenas levemente inspirada na obra. Essa já era uma sensação de Jürgen.
Renato continua e é o primeiro a falar sobre a peça em si. Parece-lhe teatro universitário, um exercício longo que desperdiça oportunidades, principalmente no que diz respeito à utilização do público, que não chega a ser propriamente integrado ao espetáculo, contrariando a expectativa que formamos no início. Na peça, um reality show tenta satisfazer o interesse do telespectador por imagens violentas. O argumento de um reality show em que a eliminação é literal é interessante, diz Helena Carnieri. Já Mateus Araújo entende o uso desse tema como um clichê. Assume ter sido difícil se concentrar, pois o espetáculo não o sensibilizou.
Patrick Pessoa apresenta seus escritos no formato de crítica do Twitter – frases críticas e pontuais que propõem observações completas nos limites de caracteres da rede social. Elas dizem: “Tentativa irresponsável de representar o irrepresentável”, “Analogia infeliz.” Seu incômodo é a associação entre a ideia de reality show, que se baseia na autocandidatura, e os campos de concentração nazistas, para onde judeus, comunistas, gays e opositores políticos foram levados com o objetivo de serem exterminados.
Para Renato, essa não é a questão em si: o problema maior está na dramaturgia. Ele propõe uma analogia com os filmes da série Jogos Vorazes, mais próxima do imaginário dos jovens de agora. Na série, como nas arenas romanas, os participantes são obrigados a lutar uns com os outros, até que só um sobreviva. A violência é o circo que compensa a falta de pão.
Para Jürgen, cometemos o pecado de não termos lido a novela original para avaliarmos o quanto mais ela poderia ter oferecido. Isso realmente me fez falta. Contudo, “nem sempre isso é possível no jornalismo”, argumenta Patrick. Ele insiste na relação com os campos nazistas, e fala sobre Primo Levi e filmes documentais com sobreviventes dos campos. Jürgen chama sua atenção: ele está carregando nas tintas; ou seja, tornando sua argumentação um processo intelectual demais. “Será que sempre precisaremos comparar a ideia de clausura com o nazismo?”, pergunta Jürgen. Para ele, esse pensamento gera o problema de saber quem, ao fim, tem o direito de falar sobre determinados assuntos. A resposta de Patrick foi a de que há uma grande diferença entre uma avaliação posterior, baseada na abordagem escolhida pela diretora, e um posicionamento normativo prévio. Helena concorda. Ambos apontam diversos aspectos na encenação que tornam explícita essa tentativa de aproximação com os campos de concentração nazistas, como o uso de marmitas, uniformes e da palavra “Kapo”, que remetem explicitamente àquele ambiente.
A discordância vem de Renato. Tratar o Holocausto como um tema tabu é um problema, explica. Há diversos outros exemplos de extermínio na história, entre eles o ocorrido com os armênios. Jürgen completa com outros: as guerras nos Bálcãs, ou, atualmente, o Estado Islâmico.
Patrick pede cuidado com as generalizações históricas. Cada fenômeno tem suas características históricas, explica. A questão do irrepresentável, e não do tabu, é o que mais lhe incomoda. E insiste: será que o formato utilizado na peça é o mais adequado? Essa é questão.
Renato compara sua experiência com o espetáculo ao descrever uma montagem anterior em Porto Alegre com imagens mais potentes e que resolveu melhor a representação dos campos de concentração.
Para Helena, a coreografia bem realizada em cena acabou sendo um desperdício para o texto em questão. Patrick não concorda. Ele julga a movimentação e o gestual muito amadores. Mateus relata a conversa com Soraya sobre a peça – que nesse instante finaliza sua crítica e não participa da conversa -, na qual ela classificou o corpo e os gestos como estereotipados.
A conversa evolui para a identificação das possíveis escolhas da direção quanto ao estilo de interpretação. Renato identifica dois registros, o paródico e o realista, e todos entendem estar correta sua avaliação de serem elas incompatíveis. ”Abaixo a música ilustrativa, diz Patrick, citando Godard, recuperando outro de seus twitters críticos. Jürgen completa: a trilha é mesmo utilizada como se estivéssemos assistindo a um filme de Hollywood.
Antes de terminar, Jürgen sugere conversarem sobre o texto em si. O aspecto aparentemente improvisado dos ensaios, identificado por Renato, precisava ser lapidado por um dramaturgo que olhasse mais o espetáculo como um todo. Jürgen diz haver na Alemanha um paralelo com esse processo, em que atores e dramaturgos se relacionam e acabam levando aos palcos seus interesses sem tanta precisão de avaliação, sem se perguntarem quão bons são os dramaturgos. Discutem se a criação em grupo que privilegia a cena, com menos atenção ao texto é um resquício de preconceito, uma maneira de trabalhar atual ou falta de informação sobre outras possibilidades de acabamento.
A discussão termina para dar espaço a outros trabalhos. Eles se levantam e se juntam ao meu redor. Reajo questionando que, só por ser minha vez de registrar, a discussão precisava ser tão complexa e ágil? Rimos, o que é sempre bom. É uma pena que a agilidade da conversa tenha dificultado um relato mais aprofundado, bem como minha impossibilidade de interferir com comentários. A função de observador é realmente algo interessante para ser mais apropriado ao exercício da escrita crítica.
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